Semente
- Isabela Veiga
- 15 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Meu nome é Isabela, eu tenho 37 anos e sou mãe.
Eu ainda me lembro da sensação de alegria e medo de quando me descobri grávida.
Eu sabia (de leve) que algumas mudanças aconteceriam, mas nunca imaginei a dimensão que tudo tomaria.
A maternidade é uma montanha russa que hora desacelera, hora acelera e, a cada nova fase, nos coloca de cabeça pra baixo, em um looping que parece eterno...mas então, desacelera novamente e conseguimos um pouco mais e fôlego até o próximo looping.
Nenhuma mulher é igual a outra, nenhuma criança, igual a outra, então não poderíamos nunca, equiparar as necessidades ou sentimentos de cada pessoa, traçando uma única forma de maternar. E digo isso do alto da minha experiência de 4 anos de maternidade. Contém ironia, mas a minha maternidade é um looping atrás do outro.
Meu nome é Isabela, eu tenho 37 anos e sou mãe de gêmeos prematuros.
O Lucas e a Beatriz estão agora, com 4 anos. Nasceram em 2018 com 1 kg cada um. A prematuridade me ensinou que sou mãe deles, mas nunca estarei no controle.
A natureza / Deus e o tempo são os arquitetos da vida. Enquanto estavam na UTI neonatal, fiz a única coisa que me cabia: nutrir o meu sentimento de maternidade em uma construção de amor diária. Depois, em casa, continuamos, a cada banho, a cada troca, a cada mamada, criando laços profundos, ligando os nomes que eu escolhi com aqueles seres que me escolheram. Esse laço não veio na gravidez, nem no primeiro olhar, mas é tão forte, que passou a ser o cinto de segurança da nossa montanha russa.

Mas cada maternidade é única. Acreditem, mesmo nascidos no mesmo dia e regidos pelo mesmo signo, mesmo assim, o Lucas e a Beatriz me exigem um maternar muito diferente.
A mamãe do Lucas, precisa correr, mas correr muito atrás dele. Precisa jogar o menino pra cima, fazer cosquinha, ter voz ativa, estar perto para compensar a falta de medo do menino, cobrar para que almoce tudo e não apenas a carne e, cinco minutos depois, controlar para que ele não coma todas as frutas da casa num dia só. Essa mãe se surpreendeu com um desfralde total na primeira tentativa, com a leitura aos 2 anos, com o gosto por fazer tarefas, pela habilidade com pintura e música. O Lucas é movimento e, ao mesmo tempo, me ensina sobre paz.
Já a mamãe da Beatriz precisa providenciar refeições fartas de arroz e feijão. Assiste desenhos para contextualizar o que ela fala, brinca de casinha, dança junto, empurra o balanço infinitamente, fala baixinho, aprendeu a cantar, inventa historinha, dá beijinho no machucado e na hora de dormir. Distribui abraços e colo com fartura, é mais compreensiva e paciente com as birras e as dificuldades da filha, que vai da gargalhada ao choro estridente em cinco segundos. Essa mãe brinca de esconder no armário e sempre tem molho shoyu na geladeira. Desfraldou o xixi diurno da menina e não tem pressa do resto. A menina gosta de 3 vestidos, os quais revezamos incessantemente. Além da filha, sempre carrega o coelhinho azul e uma fraldinha, porque Bibia tem seus objetos de apego. Ela é uma força da natureza, é alegria genuína e me ensina sobre amor puro e caos.
Meu nome é Isabela, eu tenho 37 anos e sou mãe solo.
Mês passado, recebi uma oferta de emprego que casava perfeitamente com meu currículo. O salário era ótimo, e incluíam vários benefícios. Uma empresa consolidada, que prevê plano de carreira. Perguntei sobre a carga horária, me responderam: 40h semanais em regime presencial. Perguntei se poderia ser parcialmente à distância, porque 40h de forma presencial é impossível na minha realidade de mãe solo. A resposta: trabalho à distância não é a cultura da empresa.
Mães que precisam sustentar a família não cabem em lugar nenhum. Não somos prioridade, não somos a cultura de nenhuma sociedade. E ainda assim, somos a maioria esmagadora de mães. Poucas são as mães solo que possuem rede de apoio. Nossa comunidade não consegue nos acolher e o sentimento que fica é a falta de proteção e insegurança. Quem cuida das mães?
Meu nome é Isabela, eu tenho 37 anos e sou mãe atípica.
O Lucas e a Beatriz tiveram um desenvolvimento atípico que, até os dois anos, se confundiu muito com a prematuridade, mas investigando todos os sintomas, fechamos o diagnóstico de autismo.

Estudos comprovam que a mãe atípica, (sim, dispomos de um rótulo) sofre o mesmo estresse que um soldado na linha de frente da guerra. Estatísticas mostram que mães atípicas morrem mais cedo e estão mais propensas a suicídios. Mães atípicas precisam dar conta. Precisam estudar. Precisam conseguir terapias para seus filhos, acompanhá-los, organizar as intervenções, conversar com psicólogo, assistente terapêutica, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicomotricista, fonoaudiólogo, neurologista, musicoterapeuta, professores, diretores de escola e brigar muito com o plano de saúde (quando se tem), ou com o sistema público quando somos esquecidos nas filas infinitas… muitas vezes, as mães são o elo de ligação para o tratamento caminhar. A conta não fecha. Se muitas mulheres não conseguem nem lidar com a maternidade, a forma atípica dela pode ser um grande gatilho.
Meu nome é Isabela, eu tenho 37 anos e sou…semente.
Eu ainda não me reencontrei após a maternidade. Não que eu tenha me perdido de mim, em muitas coisas eu me modifiquei profundamente e, por isso, preciso de mais tempo para me (re)conhecer. Mas sei que faço o melhor que posso para eles. No entanto, não faço o melhor que posso por mim…
A mesma montanha russa que me embrulha o estômago a cada nova fase é a que peço com toda fé, todos os dias, que não tenha fim, pois não saberia viver sem a companhia do Lucas e da Beatriz.
No fim das contas, qual o propósito de um sentimento que é tão doloroso, seja na pre
sença, seja na falta? O amor que brota da convivência entre mãe e criança tem a forma mais pura, capaz de fazer renascer a esperança e, com ela, a certeza de que nossos filhos são o melhor de nós. É o semear da vida, é deixar uma digital no mundo, nos torna imortais sementes de futuro.






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